Recém chegado ao catálogo da Netflix, City of Joy – Onde Vive a Esperança é um poderoso soco no estômago de quem dedica pouco mais de uma hora para assisti-lo. O documentário, dirigido pela diretora Madeleine Gavin e distribuído mundialmente pela plataforma de streaming, retrata a realidade de mulheres brutalizadas pela violência sexual na República Democrática do Congo que se recuperam de traumas físicos e emocionais em uma espécie de centro de reabilitação feminino chamado “Cidade da Alegria”.
O lugar, criado pelo médico ginecologista Denis Mukwege e conduzido em parceria com a ativista Christine Schuler-Deschryver, abriga mulheres vítimas de violência sexual (e política). Ali, elas recebem tratamento médico, psicológico, fazem aulas de autodefesa e exercícios de autoestima. O objetivo da Cidade da Alegria é cuidar, reestabelecer e dar motivação para que mulheres que passaram por situações devastadoras de extrema violência e desumanidade possam tornar-se líderes de suas comunidades e ensinar mais mulheres a se defenderem.
Nesse cenário, baseado na mais pura selvageria do capitalismo, sustentado por nações que se colocam aos olhos do mundo como “civilizadas” e tomado por racismo, colonialismo, exploração e genocídio, as mulheres são as maiores vítimas. Por serem a base de suas famílias, destruir mulheres é como destruir a comunidade. Logo, ser mulher implica em ser também um alvo. Daí o terrorismo sexual.
Uma vez que o lugar de extração é controlado por uma milícia, os minérios são retirados, processados e vendidos a preços esdrúxulos para o mundo todo – geralmente para a fabricação de computadores e celulares das principais marcas do mercado. Assim, a roda do capitalismo gira e o mundo faz vistas grossas à barbárie que acontece no Congo.
Sem nunca deixar de lado a crueza e potência dos depoimentos das vítimas, do médico e das ativistas, Madeleine Gavin conduz seu documentário de maneira surpreendentemente otimista. Ao optar por retratar a situação de abandono e insegurança em que as mulheres congolesas vivem, a diretora parte de um ponto de esperança. Um lugar onde, apesar de tanta tragédia, há possibilidade de pensar o futuro.
O ponto alto do documentário, sem dúvidas, é o fato de Gavin conseguir escapar de tratamentos comumente destinados às histórias cruéis, trocando clichês de sofrimento por registros de uma situação de tragédia que não explora a desgraça humana, sem deixar de ser didática, apresentar contexto, dados e dar ritmo à narrativa. Neste filme, triunfa a delicadeza de uma diretora que permitiu que a história se contasse através das pessoas envolvidas de forma genuína, com suas belezas e horrores.
Ao final, fica o gosto amargo do questionamento: quanta violência contra as mulheres do Congo existe em cada um de nossos aparelhos eletrônicos? Quanta desumanidade o capitalismo nos faz engolir sem que nem sequer saibamos? City of Joy pode ser visto, portanto, como uma espécie de denúncia manifesto esperançosa (na medida do possível) contra a ignorância que nos é imposta. Além de ser, claro, uma obra audiovisual absolutamente valiosa
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